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Ao grande amigo Adriano Barros
Meu coração não é de pedra. Eu não me chamo Pedro. Pedro é nome de gente forte. De fortaleza. E minha força é de papel. É no papel. É no pintar com outras cores as cores da vida. Faço do preto, vermelho. Do branco, um girassol. Faço coelhos de nuvens. Faço sinfonias em sustenido-bemol. É um pouco de violão e arte. De violar a tenra parte. Subverter, divertir, divorciar, divergir, devanear. Devo devanear mil horas por dia. De ar em ar, devanear. Devanear de ver néons no fim das tardes. Às margens dos rios. Nos mares do meu coração. O sol bate nas águas. Mágoas doces. Mágoas salgadas. Mágoas são dadas a todo instante. Mas no poema a mágoa se deixa sorrir. Se faz firmar em tudo que nasce. Ainda na tristeza que brota. Ainda na cicatriz que retoca uma velha dor. As dores são as pernas da poesia. Quem nunca sentiu, que se lance no primeiro horizonte. Porque em toda fronte não corre apenas sangue. Corre um mangue de choro, corre um riso que cura, corre o segredo mais caro, corre o fogo e a pira. Por isso afagos são bons, mas não marcam. Tudo que marca, arde. Tudo que marca, morde. A pele tem de sentir pra alma não se calar. Pra não secar o lar onde a fonte enfrenta o medo. Onde o sereno não morre orvalho. Onde o gesto falho se incendeia. E o pecado se veste em luz. Com pecados claros e com a face nua. Com as ruas abertas. Com abismos, cinismos e tantos ismos. Que seja o mundo como ele é. Com a prostituição aflorando às esquinas. Com as latrinas cheirando à nossa existência. O real tem de ser real para que os sonhos não percam o seu lugar.
- Mário Liz -