terça-feira, 15 de dezembro de 2009

saliva




saliva



(mário liz)


ela serve o chá. e eu penso se adoço ou amargo boca. ela cobre meus pés. e eu ajeito a touca. cubro as orelhas frente ao ar de julho. escolho meu pijama. sim, o meu velho pijama azul. ela finge que me olha. eu arrumo as calças e ligo a tevê. o canal perturba. mas eu finjo que gosto e ela finge que lê. se consola na fé inabalável. depois se faz de esfinge e me devora por fora. e eu não a decifro por dentro. amarga repetição. mesmo assim, não entendo. ela quer sempre mais e pede sempre tão menos. eu penso em gritar pois nunca ecoei seus terrenos. ela sorri e me mata com um beijo na testa. eu me testo se choro ou abandono a valsa na festa. eu não danço. e ela conduz. eu mais denso. ela de olhos crus. o arroz na panela-de-ferro. soltinho. ela em seu ritual me prepara. eu, o mesmo riso e a mesma cara. ela encera a estante e eu vejo a saúde do carro. ela me engraxa o sapato e fulmina um escarro. e o círculo impera. ela serve o chá. outra vez ela quer chá. eu quero quimera. eu penso que é já. o fim de uma era

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eu jogo as xícaras e ela se abisma de espanto. eu grito e me corto e ela evoca o seu santo. eu saio descalço e jogo a touca no lixo da casa. ela fala e me abala e o frio se esvai em brasa. ela olha o pijama que agora ao chão não me toca. eu vasto e desnudo esmurro a parede enquanto minh’alma se choca. ela com sede e espasmo parece engolir o seu choro. depois ela tosse e pranteia o seu desaforo. por fim, o imenso silêncio me toma. e ela quieta, também em coma. aí eu me lembro da saliva que era alimento. e ela, espumosa, se verte em lamentos. eu cego-insano sigo e me apego naquela boca de espuma. ela chora e as lágrimas se dão à saliva, uma a uma. então meu corpo se acende e uma fera me rasga a espinha. e ela salgada de choro e de cuspe me olha e se mostra querendo ser minha. e o círculo se quebra. ela serve o vinho e o seu corpo é a taça. eu bebo e me farto e me dou à língua devassa. ela grita e contorce e dá colo à minha fera de olhos famintos. eu nela ando, corro e ecôo: agora em todos recintos.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

dois pontos



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vende-se um copo de sangue ralo. do talo de veia. de um dia de vaia e cuspe. vende-se um abre aspas. a coisa casta e crua. a poesia no espirro do mundo. minha noite com cheiro de rua. vende-se uma íris: a quem queira ser como eu vejo. dor e desejo do mesmo tamanho. moinhos de desespero. o gosto sincero da minha boca. o rouco da voz no esporro do grito. vende-se o infinito que não existe. o trago triste a que me recolho. no canto da boca a fissura. o inchaço da alma no olho. vende-se a filha que nunca tive. o entrave da garganta. a pergunta que não respondi. os domingos de culinária. a oratória dos anos perdidos. vende-se libido à flor do poro. os acordes que me escoram na solidão. minha piada serpentina. sem ter nada, vende-se tudo. sem ter tino, vende-se rima. e  à quem for comprar, cuidado: a poesia é pequena o bastante para entrar. ainda que corpo esteja fechado.



Mário Liz

Quem sou eu

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Pouso Alegre, Minas Gerais -, Brazil
Redator Publicitário e Planejamento Estratégico da Cartoon Publicidade, graduado em Publicidade e Propaganda pela UNIVAS. Bacharel em Direito, graduado pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Roteirista do projeto multimídia E-URBANO1 e E-URBANO2, pela UNIVAS E UNICAMP. Ganhador do concurso nacional de redação de 2006 (MEC E FOLHA DIRIGIDA-RJ), onde superou mais de 37.000 concorrentes. Ganhador do Concurso de Redação da UFSCAR, em 2006. Colaborador da Revista Reuni. Tem publicações na revista científica RUA (UNICAMP) e no LIVRO DIGITAL DE 2011 (UNICAMP).