Cisco (a) Cisco
Mário Liz
Já reguei a planta dos pés, intenso de amor, sonhando raízes. Errei o sentido da dor, fabriquei cicatrizes. Já me vesti do impulso do corpo, do gosto do cuspe, da pele pela pele e nada mais. Já vesti de ódio a minha paz e dei rancor ao meu sossego. Já fui cego, surdo e mudo. Já tive vinte sentidos: um pra cada dedo. Já tive dados jogados ao céu, dados escritos no papel e dados de amendoim no talo da boca. Já tive a pele roxa, a pele vermelha e um riso amarelo a um passo da forca. Já tive poemas amontoados em gavetas. Amigos esquecidos em gavetas. E por tantas vezes morri em gavetas como forma de abrigo. Já tive um umbigo do tamanho do centro da Terra. E já tive terra no centro do umbigo. Comi poeira, vi o bonde passar. Enchi os olhos d’água. Engoli a mágoa e dei vida aos dentes quando a Banda se fez a tocar. Já tive tanto medo que o verbo mal me saía. Já tive tantos verbos que até me fartei de tanta alegria. Corri, voei, dancei, chorei, escrevi, esqueci, medi, montei, segui, agi, parei. Tudo verbo viver, tudo verbo sonhar: ao vento, planar e sumir. E no mesmo movimento: sentir e voltar. Já tive de frente com a morte. E vi um filme a triscar-me nos olhos. Às vezes tudo que se vê, são apenas ilhas. E de nada valeu sonhar, se o sonho não cortou o oceano. Já tive dias humanos, e por hora, ainda os tenho. Só não sei até quando a calma vai me abraçar. Porque se tudo é alma, o vento também é alma. E se de cisco a cisco Ele move montanhas. De cisco a cisco onde é que o meu Obelisco... vai se encontrar?
Mário Liz
Já reguei a planta dos pés, intenso de amor, sonhando raízes. Errei o sentido da dor, fabriquei cicatrizes. Já me vesti do impulso do corpo, do gosto do cuspe, da pele pela pele e nada mais. Já vesti de ódio a minha paz e dei rancor ao meu sossego. Já fui cego, surdo e mudo. Já tive vinte sentidos: um pra cada dedo. Já tive dados jogados ao céu, dados escritos no papel e dados de amendoim no talo da boca. Já tive a pele roxa, a pele vermelha e um riso amarelo a um passo da forca. Já tive poemas amontoados em gavetas. Amigos esquecidos em gavetas. E por tantas vezes morri em gavetas como forma de abrigo. Já tive um umbigo do tamanho do centro da Terra. E já tive terra no centro do umbigo. Comi poeira, vi o bonde passar. Enchi os olhos d’água. Engoli a mágoa e dei vida aos dentes quando a Banda se fez a tocar. Já tive tanto medo que o verbo mal me saía. Já tive tantos verbos que até me fartei de tanta alegria. Corri, voei, dancei, chorei, escrevi, esqueci, medi, montei, segui, agi, parei. Tudo verbo viver, tudo verbo sonhar: ao vento, planar e sumir. E no mesmo movimento: sentir e voltar. Já tive de frente com a morte. E vi um filme a triscar-me nos olhos. Às vezes tudo que se vê, são apenas ilhas. E de nada valeu sonhar, se o sonho não cortou o oceano. Já tive dias humanos, e por hora, ainda os tenho. Só não sei até quando a calma vai me abraçar. Porque se tudo é alma, o vento também é alma. E se de cisco a cisco Ele move montanhas. De cisco a cisco onde é que o meu Obelisco... vai se encontrar?