quinta-feira, 15 de dezembro de 2011




A crônica do sétimo dia

sábado. são 07h:00 da manhã. eu acordo. suspiro. vou ao banheiro. nº 1. nº 2 só depois do café. lavo o rosto. escovo os dentes. levo um resto de sono para depois do almoço. e agora... o café. café. café. meu vício matutino. mato o tino sem ele. não sei se é algo químico. não, não é. é mais ritualístico. o cheiro. a xícara. o som do líquido preto. a mão direita o levando à boca... e a esquerda com o jornal. primeiro, o da situação. depois, o da oposição. e pronto. comi minha imparcialidade do dia... é hora de publicar na grande rede. de início, blogar: um título com uma frase de efeito... e a análise parcial (querendo ser imparcial). para ilustrar, aquela imagem em preto-e-branco ou sépia, com aquele tom vintage... é bonito e tá na moda. e tem as redes sociais. elas são ótimas para linkar o blog ou jogar alguma idéia a esmo. nada muito rebuscado, ou com rococós (como diria a minha vó); porque a maioria dos leitores de lá são preguiçosos: curtem só por curtir. curtem só para apoiar. ou curtem apenas para benefício da imagem: mostrar uma pseudo-inteligência (ou disfarçar uma inoperância-verdadeira). fim da odisséia-virtual-matutina. o barbeiro me aguarda. a barbearia é um bom local para disseminar política. mas é claro... antes vem o futebol. o papo deve começar mais brando, com cara de sábado. “seu Dionízio”, o meu barbeiro, é um cara das antigas. entre um  cliente e outro, ele pega o violão e arranha uma moda. por isso lá eu começo a prosear em um tom mais nostálgico: a última grande era do futebol arte foi a seleção de 82. depois dela, o gramado tornou-se um Coliseu. daí à política é um pulo: começo a falar da corrupção dos árbitros dos campos e de cara já dou o gancho para emendar na corrupção do governo. quanta sujeira. quanta mania de achar que engoliremos tudo à seco. “nunca antes na história desse país...” . é, meu caro... nunca mesmo. saudade do Itamar... esse nunca soube dirigir Brasília, mas pelo menos fez voltar o Fusca. e é de Fusca que encontro um amigo. deixo a barbearia e o acompanho até à lotérica do hipermercado. o Gordo sempre faz sua fezinha. eu não. eu sou Ateu. lá eu apenas o acompanho... figuração mesmo. eu só deixo o posto de figurante quando da lotérica nos dirigimos ao boteco do Jorge. o bar fica num alto e a visão da cidade é linda. ah sim... os tira-gostos são gordos e deliciosamente não-saudáveis. a gente se sente altivo lá. fala das conquistas e ri um monte da superficialidade alheia. o Gordo é um cara bem crítico. e o pior é que na maioria das vezes ele tá certo no que diz. principalmente quando menciona que as pessoas de hoje em dia são verdadeiras piadas-prontas. assino embaixo. e ainda acrescento que muitos microcosmos do nosso tempo são como um circo de extremo mau gosto e de pouca sustentação: os palhaços são cansativos, os acrobatas não tem cérebro e o público é somente uma máquina de aplauso: bate palmas porque pagou a entrada e não porque a piada foi efetivamente boa. e as críticas se intensificam à medida que o álcool bate no sangue. ele nos bota comovido feito o diabo[1]. e neste tom nos despedimos do bar do Jorge. com a alma lavada para suportar mais 7 dias de lama. o Gordo vai para casa. e eu também. nada de almoço, a barriga já está cheia de porcarias. é hora usar aquele sono que guardei pela manhã. ligo a TV - meu melhor sonífero. apago minhas forças e babo. todo mundo baba. só em novela que o povo dorme maquiado e sexy, não ronca e acorda mais sensual do que quando se deitou. e lá se vão 2 horas de sono... até a mini-ressaca me acordar e eu procurar um copo d’água e algo doce para comer. nada mais justo. e nada mais junto: o amor me chama. é hora de rever o amor e deixar as críticas de lado. andar saltitando nas nuvens, ouvir uma boa música, tomar um vinho e ser feliz. não que eu não seja feliz em outros momentos, mas felicidade a dois é outro mundo. só mesmo quem a vive para saber. não adianta eu descrever como é, se sua vida é amarga. é como chamar um herege para ouvir o Sermão da Montanha. não rola. não flui. emperra. trava bem na veia... aí já viu: é AVC a você e a quem mais se sentir atingido. porque se expressar é a arte de causar dor. e com as palavras não é diferente. cada palavra tem um milhão de gumes. então quando escrevo que quero regar uma flor, sem querer podo as pétalas de outra. fazer o quê??? existe a opção de calar ou de ficar em cima do muro. calar causa câncer e eu não tenho equilíbrio para me sustentar em cima de nada. e esta é minha razão de falar, gritar e não acreditar em verdades homeopáticas. ninguém deve suportar uma dor aos poucos. o melhor é sentir de uma vez e chorar seus rios e mares sem diques para impedir a fúria das águas. quando um dique se rompe, as mortes são bem mais numerosas. e nem toda morte é bela como essa que vejo: são quase 19h:00 e o sol está se pondo. a mais bela morte é a do sol, não há dúvidas. há um Quê de tristeza entre o dia que morre e a noite que vem. aquele meio do caminho... quase escuro. quase vermelho. e quase doído. quem for de choro, chora. e quem for de samba, sabe: tristeza não tem fim[2]. ela é eterna feito a saudade. e às vezes é poética, como este jantar: alegria na mesa e Clube da Esquina no som. eu queria que fosse uma vitrola, só que a minha se quebrou junto com boa parte do meu passado. o passado é formado de pessoas. as pessoas criam os fatos e a memória se faz deles. por isso matar em pensamento é necessário para não morrer. é a maldita lei da sobrevivência. estudei as leis por 5 anos e só acredito mesmo em duas: a da sobrevivência e a da gravidade. a da sobrevivência mostra o que somos e a do senhor Newton, com o que e com quem lutamos. quando alguém nasce, a maldita gravidade já impera. e quando a vida lhe dá um êxito, ela lhe derruba e lhe faz lembrar como foi difícil subir qualquer degrau. é cômico, dramático e realista. e é como eu gosto de terminar o meu dia... gargalhando da realidade. retorno à odisséia virtual para rever os comentários sobre minhas divagações no blog: “- Poeta, você escreve muito bem”. “- Poeta, você é foda!” “- Puta que pariu... disse tudo!” – “Hei, estou te seguindo, me siga também”. e nas redes sociais, 27 pessoas curtiram minha postagem (25 a engoliram sem mastigar, 2 a mastigaram, sendo que uma a degustou e a outra... morreu engasgada).

Boa noite e bom domingo a todos vocês!

Texto: Mário Liz
Arte: Flora Bonomini       


[1] Incidental “O POEMA DAS SETE FACES”, de Carlos Drummond de Andrade.
[2] Incidental: "A FELICIDADE", de Vinícius de Moraes

Um comentário:

Anônimo disse...

Não curti no face, pois saí de lá para ler e comentar aqui. Amei.
Abçs. Mariângela.

Quem sou eu

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Pouso Alegre, Minas Gerais -, Brazil
Redator Publicitário e Planejamento Estratégico da Cartoon Publicidade, graduado em Publicidade e Propaganda pela UNIVAS. Bacharel em Direito, graduado pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Roteirista do projeto multimídia E-URBANO1 e E-URBANO2, pela UNIVAS E UNICAMP. Ganhador do concurso nacional de redação de 2006 (MEC E FOLHA DIRIGIDA-RJ), onde superou mais de 37.000 concorrentes. Ganhador do Concurso de Redação da UFSCAR, em 2006. Colaborador da Revista Reuni. Tem publicações na revista científica RUA (UNICAMP) e no LIVRO DIGITAL DE 2011 (UNICAMP).