Eu hoje anoiteci até o fim. Até o fim, como de costume. Com traços de céu na estrada. E vigas de vaga-lume. Quando anoiteço eu não me esqueço do dia. Sou noites de sol e poemas sem endereço. Eu me embaraço nos sentimentos da vida. Eu me perco nos traços do mundo. Mas é sempre ao léu que eu me encontro. Eu me encanto com as coisas perdidas. Perdido é que teço meu canto. D’outro jeito eu não seria poeta. Eu seria arquiteto. Arquitetos têm tetos de pedra. Eu tenho tetos de estrelas. Eu nada sou se não as tenho. Como hei de ser se não tê-las? Eu talvez seria frio e forte. E minha vida pouco seria (além do que resta à vida, senão a morte). Eu talvez seria um corte que não se fecha. Uma flecha que finca e morre sedenta no mesmo lugar. É bem verdade que tudo seria menos intenso. Mesmo a dor. Mesmo teu cheiro de incenso. É por isso que eu prefiro latejar. Eu prefiro lá te ter e aqui eu me cortar. Dançar a valsa da vida e dormir. E amanhã acordar. E me levar à leme e lume. E feito hoje, anoitecer até o fim. Até o fim, como de costume.
Mário Liz